quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Símbolo de resistência: Nossos ancestrais desaparecem

Este texto mostra o quanto foi, é e será difícil haver povos indígenas isolados neste país nos anos vindouros. É mais provável que eles sejam extintos nos próximos anos em função não apenas de mudanças climáticas, mas também pela falta de colaboração, proteção e assistência da sociedade, no que se refere ao respeito pela Vida no seu conjunto... 

Regina Maria da Luz Vieira (RegiluzVieira)


canalcurta.tv.br

 "A chuva cai uma vez ao ano na terra dos Piripkura. A seca entre maio e setembro é precedida pelas chuvas de outubro a março, que chegam em uma média de até 2.400 milímetros ao ano. Mas os Piripkura não dominam e nunca dominaram os números, as métricas. Sabem que os igarapés enchem d'água na chuva e é mais difícil pescar assim. O cacau e as castanhas são os principais alimentos o ano todo, mas na seca peixes como o cará, a traíra, são mais facilmente fisgados e abundantes nos igarapés. Também é mais simples caçar para comer, como espetar jacarés com lanças. Os Piripkura vivem entre duas condições climáticas opostas, com temperaturas que oscilam de 18º C a 40º C. Por isso, o ano deles é dividido por antropólogos e percebidos por eles como apenas um inverno e um verão. Eles poderiam viver por mais uma dezena incontável de décadas desta maneira, mas a cada estação estão mais próximos de desaparecer. Hoje, os Piripkura foram resumidos a dois indígenas: Tamanduá e Baita. São os últimos a ainda viverem na floresta como seus ancestrais. Há também uma única mulher, que há aproximadamente 40 anos não vive mais entre os familiares. Baita é o mais velho, tem cerca de 50 anos. Tamanduá, mais novo, é seu sobrinho. A idade é um termo relativo para indígenas. Eles entendem que os anos passam quando envelhecemos e nos tornamos mais sábios, os portadores e transmissores de conhecimento. Mas entre os Piripkura não há mais velhos. Após a morte da dupla, não restarão nem os mais jovens para repassar as técnicas de sobrevivência e o uso consciente do meio ambiente que lhe garantiram a existência até hoje. "São povos com tradições milenares que conseguiram sobreviver em pleno século 21 independentes da era industrial. É um conhecimento tal da floresta que eles conseguem sobreviver e ainda garantir gerações", explica o indigenista Antenor Vaz, que desde a década de 1980 acompanha e monitora os Piripkura e povos isolados no Brasil e América do Sul. Antenor liderou um estudo que confirma a existência de 28 povos indígenas isolados em território brasileiro. São indígenas que evitam contato, rejeitam qualquer comunicação ou sequer sabem da chegada dos europeus ao continente sul-americano. O Brasil tem o maior número de isolados confirmados na América do Sul, à frente do Peru. Há ainda uma suspeita de que o número seria muito maior: 86 povos indígenas viveriam isolados em nosso país. Em uma área de 242,5 mil hectares, no norte do Mato Grosso, a Terra Indígena Piripkura tem sofrido com avanços de grileiros e madeireiros desde os anos 1980 que pode diminuir este número. O crescente desmatamento em 2020 coloca em risco não só a existência do povo, como a as práticas de reconhecimento e respeito aos povos da floresta que levaram anos para serem consolidadas."

Marcos Cândido de Ecoa, em São Paulo.